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Ataque de índios isolados ao povo matís deixa dois mortos e provoca pânico
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Aldeia de índios korubo no Vale do Javari, no Amazonas (Foto: Funai)Aldeia de índios korubo no Vale do Javari, no Amazonas (Foto: Funai)

A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), no Amazonas, informou nesta segunda-feira (08) que duas lideranças indígenas da etnia matís foram mortas a bordunadas por quatro índios isolados do povo korubo na aldeia Todowak, no rio Coari, em 05 de dezembro, na Terra Indígena Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, fronteira com o Peru.

Em entrevista à agência Amazônia Real, o indígena da etnia marubo e membro da Univaja, Manoel Chorimpa, disse que as lideranças mortas, Ivan e Damã, estavam na roça quando foram atacadas pelos korubo com bordunas.

A Funai (Fundação Nacional do Índio), em Brasília, confirmou as mortes dos matís. O Coordenador Geral de Índios Isolados e Recém Contatados, Carlos Travassos, classificou o ataque como uma quebra de protocolo entre as duas etnias da Amazônia. “Na memória dos matís sempre ocorreu uma situação oposta, os matís que atacavam os korubo. Os matís sempre roubaram as mulheres dos korubo, mas isso (mortes) nunca ocorreu”, disse.

Segundo Carlos Travassos, os dois matís mortos, Ivan e Damã, eram lideranças respeitadas. “Ivan participou de contatos com os índios korubo por vários anos”, afirmou coordenador.

Em nota enviada à agência Amazônia Real, a Univaja afirma que após o ataque dos korubo, 30 guerreiros matís partiram para selva para revidar as mortes, numa ação classificada pela organização como um confronto inter étnico motivado por “grande revolta” e resultado do descaso da ação indigenista da Funai na região do Vale do Javari.

A Funai negou a ocorrência de revide dos matís contra os korubo. Segundo Carlos Travassos, os matís estão reunidos por conta do luto das lideranças. “Não há informações sobre revide ao ataque”, disse o coordenador.

Possíveis motivos do ataque

Segundo a nota da Univaja, a motivação do ataque aos matís seria a remoção de um subgrupo de índios korubo recém contatados. “Os índios do Subgrupo foram trazidos para o período de quarentena na Base de Vigilância da Frente Etnoambiental da Funai na confluência dos rios Itaquaí e Ituí. Depois foram levados para aldeia dos korubo de recente contato ao invés de ser devolvido ao local, onde estava o restante do seu grupo”, diz trecho da nota.

A Univaja afirma na nota que a situação de possível conflito entre as etnias foi alertada através de notas e ofícios à Funai. “Tem indígenas isolados chegando em quase todas as comunidades dos que já são contatados e que precisava uma ação de vigilância permanentes com estrutura adequada sobre índios isolados da tutela da Funai, bem como precisava melhor proteção do próprio território, com condições financeiros e um quadro de pessoal, para operacionalização de atividades, do abandono de postos de vigilâncias”, afirmou a organização indígena.

A Funai disse que está investigando o motivo do ataque dos korubo aos matís. O coordenador Carlos Travassos afirmou que o ataque não tem relação com o subgrupo korubo recém contatado. “A Funai possui informações suficientes para concluir que a situação (o ataque) não têm relação com esse Subgrupo recém contatado. A criação da aldeia Todowak (dos matís), em 2011, aproximou as duas etnias, mas o motivo dos ataques está sendo investigado. Todo mundo sabe que conflito pode acontecer entre índios isolados e com quem está perto do território deles”, disse Tavares.

O último contato de índios korubo, segundo a Funai, aconteceu no dia 09 de setembro. Os korubo mantiveram diálogos com indígenas da etnia Kanamari da aldeia Massapê, que fica também na Terra Indígena Vale do Javari.

A Terra Indígena do Vale do Javari está localizada no município de Atalaia do Norte, distante a 1.136 quilômetros de Manaus. Na reserva vivem cinco povos contatados: marubo, kanamari, mayoruna, matís e kulina. Há também pelo menos 16 referências de índios isolados ou de pouco contato, segundo a Funai. A estimativa populacional indígena no Vale do Javari é de cinco mil pessoas.

Conflito entre etnias

Em entrevista à agência Amazônia Real, o indígena da etnia marubo, Manoel Chorimpa, atribuiu o ataque dos korubo à suspeita destes de que os matís teriam sido os responsáveis por remover o subgrupo que havia sido contatado pela Funai. Para os korubo, este grupo continua “desaparecido”.

Segundo Chorimpa, o subgrupo composto por seis pessoas, entre elas três crianças, apareceu no rio Itaquaí, próximo à aldeia Massapê, onde vivem os índios da etnia kanamari, e foi mantido em quarentena pela Frente Etnoambiental da Funai que atua no Vale do Javari.

Ele disse que, em seguida, o subgrupo foi levado pela Funai para a aldeia korubo na área do rio Ituí, onde vivem indígenas conhecidos como “grupo da Maiá”, contatado em 1996 pelo órgão indigenista. Este pequeno grupo korubo, que deixou de ser isolado, é composto por 17 pessoas. Maiá é a principal liderança do grupo.

“O problema é que a Funai, ao invés de devolver os índios para o grupo deles decidiu mantê-lo na sua base etnoambiental e depois levá-lo para a aldeia da Maiá. A Funai fez isso para evitar transtorno com os kanamari, mas acabou causando conflito com os matís”, disse Chorimpa, que está acompanhando os acontecimentos por meio de comunicação via radiofonia tanto com os kanamari quanto com os matís. Naquela área não pega sinal de celular.

A preocupação agora é com um conflito iminente. Indígenas matís, inclusive os que moram na cidade de Atalaia do Norte, seguiram para suas aldeias para se vingar da morte dos dois membros de sua etnia.

O coordenador da Funai em Atalaia do Norte, Bruno Pereira, junto com outros três servidores seguiram para a área dos matís no mesmo dia das mortes, segundo Chorimpa.

Ele afirmou que uma das medidas que já está sendo feita pela Coordenação Regional da Funai de Atalaia do Norte é transferência dos indígenas matís da aldeia Todowak para a aldeia Tawaya, no rio Branco, para evitar novos confrontos. Chorimpa disse que mantém contato com o coordenador regional da Funai, Bruno Pereira, por equipamento de radiofonia.

“Tentamos convencer o coordenador a não ir neste momento. Não sabemos o que pode acontecer com ele. Trinta 30 matís seguiram para a área onde ocorreram as mortes, mas soubemos que neste domingo (07) eles retornaram e decidiram não atacar os korubo por enquanto. Mas é só o que sabemos até agora”, disse Chorimpa.

Segundo Manoel Chorimpa, o território dos matís fica próximo à área onde vive o grupo de korubo. “Há quase três anos os matís decidiram voltar à sua área tradicional, nos rios Branco e Coari. Só que ela fica bem próximo da área dos korubo. Isso pode provocar algum conflito”, disse ele.

Manoel Chorimpa afirmou que há uma recente preocupação dos indígenas com o aumento da frequência dos contatos de alguns subgrupos de índios isolados no Vale do Javari. Mas ele não sabe dizer o motivo.

“Pelos depoimentos que conseguimos deste subgrupo que fez contato em setembro, ficamos sabendo que o problema é que vem aparecendo muitas doenças, muita gente morrendo de malária. Mas não sabemos ao certo. É preciso apurar”, disse.

Conforme o indígena marubo, o maior problema está na pouca estrutura financeira e de quadro de pessoal da Funai na área. “Houve o concurso, mas a maioria dos que passou já foi embora. A Funai quase não possui recursos humanos. É preciso ter mais gente pelo menos para preservar a integridade física dos indígenas. Se isto não acontecer, pode acontecer uma tragédia total”, afirmou.

A reportagem não conseguiu falar com lideranças matís. Segundo Chorimpa, todos os matís que estavam em Atalaia do Norte seguiram para suas aldeias.

“Muitos foram de balieira e pec-pec (pequenas embarcações de motor) ou de helicóptero da coordenação. Mas eles não quiseram ficar. Decidiram seguir pois não gostaram de saber da morte de dois parentes desta forma”, disse Chorimpa. A população de índios matís é pouco de 300 pessoas.

Em nota enviada à reportagem, a Funai disse que o grupo de korubo contatado em 9 de setembro não possuí relação, “até onde se pode verificar, com o grupo denominado ‘korubos do Coari’, os prováveis envolvidos neste conflito”.

Segundo a Funai, os coordenadores da Coordenação Regional do Vale do Javari, Bruno Pereira, e da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari, Beto Vargas, se encontram desde domingo (7) na aldeia Todowak, prestando o apoio necessário à comunidade e aos parentes dos matís mortos.

Índios isolados

Em seu site na internet, a Funai afirma que são considerados “isolados” os grupos indígenas que não estabeleceram contato permanente com a população nacional, diferenciando-se dos povos indígenas que mantêm contato antigo e intenso com os não-índios.

É a Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados, por meio das Frentes de Proteção Etnoambiental, a responsável pela proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato. A coordenação garante também aos povos isolados o pleno exercício de sua liberdade e das suas atividades tradicionais sem a necessária obrigatoriedade de contatá-los.

Conforme a Funai, atualmente no Brasil existem cerca de 107 registros da presença de índios isolados em toda a Amazônia Legal. Esse ano dois grupos isolados fizeram contatos. Além dos korubo, no dia 29 de junho índios denominados “Povo do Rio Xinane” entraram em contato com indígenas Ashaninka da aldeia Simpatia, na fronteira do Acre com o Peru.

Leia mais no site da Funai: índios korubo foram contatados em 1996 e tinham marcas de balas por conflitos com não-índios.

– Esta matéria foi originalmente publicada no Amazônia Real e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.


Em Conferência da ONU, Brasil anuncia ajuda a países com desmatamento
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Gustavo Faleiros

Ministra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira, fala na plenária da 20a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas: redução do desmatamento nos últimos anos foi destaque do discurso.

Ministra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira, fala na plenária da 20a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas: redução do desmatamento nos últimos anos foi destaque do discurso.

A experiência de quase 30 anos do Brasil no combate ao desmatamento vai ser replicada em outros países da Amazônia. Em Lima, Peru, durante a 20a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 20, o governo brasileiro e o BNDES apresentaram um plano de implementar sistemas de monitoramento em parceria com a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA)

Segundo o secretário-geral da organização, o surinamês Robby Dewnarain Ramlakhan, um investimento de US$ 8 milhões de dólares (R$ 19 milhões) já está em curso através do Fundo Amazônia, reserva de R$ 2,1 bilhão de reais gerida pelo BNDES para apoiar projetos tanto no Brasil como em países da PanAmazônia.

Os recursos não são reembolsáveis. Ou seja, feitos em modalidade distinta ao empréstimo. Anunciado em um evento que contou com a presença das delegações do Brasil e do Peru, o projeto prevê a criação de salas de observação de dados satelitais, treinamento de 150 técnicos e compras de equipamento para a vigilância da Amazônia nos outros 7 países membros da OTCA.

Além disso, a iniciativa pretende consolidar um mapa do estado da floresta amazônica em toda sua extensão entre 2000 e 2010. Ao contrário do Brasil, que já monitora o desmatamento desde 1988, os outros países ainda estão criando uma base histórica de dados. A metodologia adotada pela OTCA reproduzirá aquela utilizada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), responsável por determinar a taxa oficial de deflorestação na Amazônia brasileira.

''Cada país tem uma particularidade. O Peru tem 90% dos seus desmatamentos realizados em áreas de menos de 1 hectare, que são muito difíceis de monitorar'', disse o coordenador nacional de florestas, Gustavo Suarez, ao comparar com o caso brasileiro, onde ainda se derrubam áreas de grande extensão (veja o mapa do desmatamento abaixo).

Florestas em recuperação

Também nesta quarta, a ministra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira, fez seu discurso na plenária da COP20 e voltou a exaltar as ações do Brasil na redução do desmatamento. Ela mencionou a última cifra divulgada pelo governo –  queda de 18% em 2014 – como indicação do compromisso do Brasil com a redução de gases de efeito estufa.

As mudanças pelo uso da terra (queimadas, deflorestamento) continuam a ser a principal fonte de emissões do país. A constante redução do desmatamento coloca o Brasil em posição confortável nas negociações do clima na COP20. A ONU tenta chegar a um esboço do novo acordo para mitigar as causas e efeitos do aquecimento global. No ano que vem,  em Paris (COP 21), se espera a assinatura de um novo tratado com metas que passarão a valer em 2020.

''Não apenas as taxas de desmatamento foram reduzidas significativamente em 82% nos últimos 10 anos, mas recentemente dados indicam que estamos verificando um substancial processo de regeneração florestal'', afirmou a ministra. Ela se referiu a informações lançadas há poucas semanas pelo sistema TerraClass, do INPE, que reveleram que 23% das terras desmatadas na Amazônia possuem matas em recuperação. ''Isso representa que o Brasil deixou de emitir 650 milhões de toneladas de carbono por ano'', disse.

Mapa interativo do desmatamento na Amazônia – Dados INPE (sistemas Prodes) e sistema Terra-i


Na Colômbia, petróleo chegou na região antes dominada pelas FARC
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Gustavo Faleiros

Esta reportagem foi originalmente editada no site da Agência PúblicaEla relata a viagem da equipe do InfoAmazonia em outubro para a Amazônia colombiana para conhecer as mudanças pelas quais passa a região no momento em que o governo do país negocia a paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARC

A presença militar na Amazônia colombiana é ostensiva. Intensidade do combate às FARC nos últimos anos foi acompanhado pela chegada da indústria do petróleo. Foto: Giovanny Vera/InfoAmazonia

A presença militar na Amazônia colombiana é ostensiva. Intensidade do combate às FARC nos últimos anos foi acompanhado pela chegada da indústria do petróleo. Foto: Giovanny Vera/InfoAmazonia

Don Luiz Eduardo Godoy Sanchez, o ''Doctor'' ou simplesmente “Doc”, fala efusivamente, chacoalha os braços no ar e engrossa a voz para contar sobre os dias em que a cúpula das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARC, e o presidente Andrés Pastrana transformaram a vila de Los Pozos no epicentro político do país. Tudo se passou entre novembro de 1999 e fevereiro de 2002, quando o governo colombiano aceitou dialogar com a guerrilha e passou a negociar um cessar fogo ao conflito que já se arrastava por meio século. Porém, a busca pela paz fracassou. Anos depois, em 2014, o atual presidente colombiano Juan Manuel Santos retomou o esforço.

Enquanto escutamos ao Doc, emissários do governo e da guerrilha se preparavam para mais uma rodada de negociações. Desde o ano passado diversas reuniões foram realizadas em Havana, Cuba com intento de chegar a um cessar fogo entre a guerrilha e Exército em 2015.

Estamos no Centro Educativo Los Pozos, no pátio vazio, amplo e aberto como o de muitas escolas rurais na Amazônia. Murais pintados pelos alunos exibem mensagens como “Paz”, “Tolerância”, “Respeito”. Há um campinho de futebol e pequenas casas de muros verdes aos poucos são carcomidas por um matagal. “Ali era onde os líderes das FARC se reuniam antes da chegada dos homens do governo'' conta o médico veterinário, apontando as taperas.

A poucos quilômetros se veem os tanques de armazenamento e exploração da Emerald, petroleira britânica comprada há pouco pela estatal chinesa Sinochen. Los Pozos – em português, “os poços” –não nega o nome: suas poucas casas e moradores foram atraídos pelas promessas da indústria do petróleo. A Shell foi a primeira a chegar ali em 1917 e desde então as tentativas de tirar o ouro negro não pararam. Mas foi apenas em 2010 que a extração de fato começou.

No surrado Suzuki Vitara vermelho do Doc havíamos cruzado, sem ser parados, vários bloqueios militares formados por jovens soldados portando fuzis, camuflados entre as árvores ou sentados em barricadas frente a metralhadoras apontadas para o céu, ociosas. Percorremos 28 km em uma estrada de terra a partir de San Vicente del Caguán, cidade do departamento amazônico de Caquetá, no sudoeste do país.

Presidente do Comitê Municipal de Pecuaristas, o veterinário Don Luis Eduardo Sanchez Godoy, o “Doc”, conta os momentos que presenciou quando as FARC mantinham sua zona autônoma em San Vicente del Caguán. Foto: Gustavo Faleiros/InfoAmazonia

Presidente do Comitê Municipal de Pecuaristas, o veterinário Don Luis Eduardo Sanchez Godoy, o “Doc”, conta os momentos que presenciou quando as FARC mantinham sua zona autônoma em San Vicente del Caguán. Foto: Gustavo Faleiros/InfoAmazonia

A pequena San Vicente, às margens do rios Caguán e Yari, é conhecida em toda Colômbia por ser uma das quatro cidades que fizeram parte da “zona de despeje”, ou a região autônoma das FARC. Entre 1998 e 2002, o presidente Pastrana, em preparação ao que imaginava ser o caminho da paz, fez o inesperado: reconheceu as FARC como organização política e declarou partes do território “zona de distensão”, onde o Exército colombiano deixava de atuar e perseguir guerrilheiros.

Fomos a San Vicente e a Loz Pozos para ver os locais que foram palco deste período importante da história da Colômbia. Mas no desolado Centro Educativo Los Pozos não havia, com exceção das pinturas infantis, qualquer referência ao passado. Ali eu esperava pelo menos encontrar uma placa ou monumento, talvez algo como ''Aqui ocorreram as mesas de negociação pela paz entre guerrilheiros e o governo'' Por outro lado, não seria surpreendente ler algo como ''Aqui as FARC deixaram Pastrana plantado, esperando com cara de taxo''.

A cadeira vazia

A imagem da “silla vacía” que marcou o fracasso das negociações de paz entre o governo colombiano e as FARC em XXX. O líder guerrilheiro não apareceu e deixou o presidente Andrés Pastrana esperando. Foto: reprodução/EL País

A imagem da “silla vacía” que marcou o fracasso das negociações de paz entre o governo colombiano e as FARC em 2001. O líder guerrilheiro não apareceu e deixou o presidente Andrés Pastrana esperando. Foto: reprodução/EL País

O que ocorreu em Los Pozos os colombianos consideram um fracasso retumbante. A representação maior do colapso das negociações de paz em 2001 , que era a segunda e mais importante na história do país, é uma foto do presidente neste mesmo pátio escolar, sentado sozinho em uma mesa enfeitada com bandeiras da Colômbia e ladeado por uma cadeira desocupada. Tirofijo, apelido de Manuel Marulanda, o então líder máximo das FARC, não apareceu naquele dia e em nenhum outro dia. Era o fim das esperanças de um acordo de paz, depois de dois anos de negociações.

O episódio deu origem a uma conhecida expressão colombiana : “la silla vacía” ou a cadeira vazia, que batiza inclusive um dos sites de jornalismo investigativo mais conhecidos e influentes do país, parceiro da Agência Pública. Assim a cadeira de plástico branco, dessas que se colocam na beira de uma piscina ou em uma festa de jardim, se tornou o símbolo do impasse político que ainda hoje vive a Colômbia: 60 anos de conflito entre guerrilhas de esquerda, Exército e grupos paramilitares de direita.

O pesquisador Harvey F Kline, em um seu livro “Crônicas de um fracasso anunciado” (Chronicles of a Failure Foretold, University of Alabama Press), argumenta que o processo de paz lançado por Pastrana em 1999 foi uma manobra mal arquitetada. Naquele momento nenhum dos lados envolvidos de fato estava convencido, ou mesmo interessado, em chegar à paz. Nos dois anos em que duraram as negociações, diversos atentados promovidos por células guerrilheiras e pelos paramilitares interromperam as conversas, até que foram abandonadas por completo em 2001. O fim da zona de distensão em 2002 foi a pedra final no processo.

''Nós acreditávamos que era a paz, mas de paz não havia nada. Pastrana nos estava enganando. E nos enganou por quê? Porque queria matar a todos, acabar com as FARC depois de conhecer toda a organização armada e política”, analisa o Doc.

Ex-proprietário de uma farmácia veterinária, o doutor agora é o presidente do Comitê Municipal de Pecuaristas de San Vicente del Caguán. Ele é um homem baixo com uma barriga saliente. A cara suarenta ele seca no poncho, um pano de algodão com franjas amarelas, azuis e vermelhas – as cores da Colômbia – que os homens nesta região levam sobre os ombros. Avançado em sua sexta década de vida, seus cabelos grisalhos provam que viveu os momentos mais críticos da guerrilha na região. “Após o fim das negociações de paz, vieram os assassinatos mais cruéis. Eu mesmo sei porque tive que tirar meu sócio esquartejado de dentro de um rio.”

Como líder dos pecuaristas, seu alinhamento político parece improvável. Fala sem titubear que havia vantagens sob o comando das FARC. Segundo ele, não se roubava gado e não se podia desmatar, além de outros benefícios morais da presença guerrilheira. “Nunca vi nenhum deles beber ou fumar”, garante. Este entusiasmo lhe rendeu o apelido de “veterinário da guerrilha”, algo que claramente não o agrada. “Eu processo quem me chama assim. Nunca fiz nenhum serviço para as FARC”.

A relação com o grupo marxista é um tema vivo entre os habitantes de San Vicente. A cidade foi o centro da ocupação das FARC e sua história recente coincide com os fatos mais marcantes da própria história da Colômbia. Se na vila de Los Pozos se criou a “silla vacía” durante as negociações de paz, foi em San Vicente, retornando de uma visita de campanha, no dia 23 de fevereiro de 2002, que a candidata à presidência Ingrid Betancourt foi sequestrada por guerrilheiros. Com eles, permaneceu prisioneira pelos próximo seis anos e meio, configurando um dos episódios mais amargos de décadas de conflito.

Agora, a zona negra

Panfletos distribuídos pelo Exército em barreiras na entrada da cidade de San Vicente del Caguán. Nesta estrada, as FARC sequestraram a candidata à presidência Ingrid Betancourt. Foto: Giovanny Vera/Infoamazonia

Panfletos distribuídos pelo Exército em barreiras na entrada da cidade de San Vicente del Caguán. Nesta estrada, as FARC sequestraram a candidata à presidência Ingrid Betancourt. Foto: Giovanny Vera/Infoamazonia

Chegamos a San Vicente em um sábado de manhã. Tudo parecia típico de um fim de semana de uma cidade do interior: um dia de compras, festas e feiras. O centro estava abarrotado de homens usando chapéus de cowboy pelas praças e bares. As lojas de roupa tocavam música alta e os locutores com voz de radialista anunciavam promoções . Em alguns momentos, o trânsito de caminhões, carros e muitas motocicletas travava as ruas por completo.

Apesar da aparente normalidade, logo na praça central, em torno dos prédios administrativos, havia barricadas e soldados paramentados, preparados para a batalha.

Com 62 mil habitantes, San Vicente vive o que chamam seus habitantes de “o estigma” da zona de distensão. Alguns como o Doc parecem saudosos daquele tempo, mas outros lembram dos “impostos” cobrados pelas FARC e ficam ultrajados com qualquer menção de que a cidade possa ainda apoiar aos guerrilheiros ou camponeses trabalharem para a indústria da cocaína.

A própria presença do Exército demonstra que a tensão continua. Em uma barreira militar bem na entrada da cidade, faixas enormes com as cores da bandeira comunicam em letras garrafais “Guerrilheiro, volte a viver, desmobilize-se”. Um homem fantasiado de Mickey, como os que animam festas de crianças, distribuía folhetos pedindo aos moradores para não dar dinheiro à guerrilha.

De fato, a guerra não terminou. No momento em que visitávamos as cidades do departamento de Caquetá, o governo do presidente Juan Manuel Santos preparava uma nova rodada de negociações em Havana, Cuba. No entanto, no último dia 14 de novembro, as conversas foram congeladas. A razão? Guerrilheiros teriam rompido o compromisso de não realizar mais sequestros. Um general foi raptado em Chocó, norte do país.

O enfraquecimento das FARC causado pela repressão capitaneada na primeira década dos anos 2000 pelo então presidente Álvaro Uribe, criou uma sensação de paz ou ao menos estabilidade econômica em Caquetá. Além da militarização definitiva, a estratégia de Uribe para debilitar as FARC foi acabar com o plantio de coca, uma das principais fontes de recursos financeiros da guerrilha. Nos últimos anos, milhares de camponeses que haviam sido expulsos de suas terras em meio ao conflito retornaram. Atualmente, o departamento possui a maior taxa de desmatamento em toda a Amazônia colombiana, enquanto a agricultura e a pecuária voltaram a crescer.

Mapa do desmatamento

Paradoxalmente, com a paz mais próxima, a disputa por uso da terra e outros recursos naturais se tornou tema central na Colômbia. Tanto no governo de Uribe como no de Santos foram aceleradas as concessões e licenças para mineração e exploração de petróleo. De acordo com o Atlas Amazônia sob Pressão, da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georeferenciada (RAISG), a Colômbia é o segundo país na América do Sul com maior extensão de lotes petroleiros na Amazônia, atrás apenas do Peru. São 193.4 mil Km2, o que representa 40% de toda a zona de floresta tropical no país. Apenas uma pequena parte – 23,4 mil Km2 – está de fato em exploração, mas é o potencial da abertura de novos poços que gera controvérsias.

Atualmente existem na Colômbia 418 campos de exploração de petróleo e a média de extração é de 987 mil barris diários, a melhor cifra em 15 anos, mas ainda assim baixa para o potencial. A meta estabelecida pelo governo Santos é manter uma produção acima de 1 milhão de barris por dia. Mas, contando apenas com as reservas já descobertas, o ritmo atual de produção fará com que o petróleo colombiano termine em pouco mais de seis anos. Por isso a corrida para descobrir novos campos petroleiros na Amazônia.

A gestão do presidente Santos assinou em setembro de 2014 um decreto que cria as “licenças express”, um conjunto de condições que permite ao órgão ambiental aprovar empreendimentos em 90 dias. Especialistas e a oposição criticaram duramente a decisão, pois afirmam que não existe técnicos e recursos financeiros suficientes na ANLA, o equivalente ao Ibama no Brasil, para garantir análises rigorosas em um prazo tão curto. Surpreendentemente, uma das atividades que foi liberada de licenciamento ambiental foram as sísmicas para prospecção de petróleo. A sísmica é um processo de gerar vibrações debaixo da terra cujos reflexos podem indicar a presença de reservatórios subterrâneos.

Angel Medina, presidente da UNIOS, que reúne movimento sociais. Para ele governo Santos cria mais conflito ao incentivar a exploração do petróleo. Foto: Natalia Orduz/Las 2 Orillas

Angel Medina, presidente da UNIOS, que reúne movimentos sociais. Para ele governo Santos cria mais conflito ao incentivar a exploração do petróleo. Foto: Natalia Orduz/Las 2 Orillas

Em Caquetá, os movimentos sociais da região, representados pela União de Organização Indígenas e Campesinos de San Vicente del Caguán (UNIOS) se posicionou terminantemente contra novos poços de petróleo. No momento, a Emerald Energy é a única empresa retirando petróleo, mas a estatal EcoPetrol firmou em 2013 um acordo para obter 50% dos contratos na região e acelerar a prospecção para abrir novas zonas de produção.

Anibal Morante Rincón, tesoureiro do Comitê Municipal de Pecuaristas, entidade que participa da UNIOS, afirma que a principal preocupação se refere aos impactos sobre as fontes de água. A prospecção poderia afetar nascentes que alimentam o rio Caguán. “Aqui vivemos de produção de gado e existe um potencial turístico. Nada disso será possível se não houver água”, diz. Orgulhoso, conta que Caquetá se tornou o principal polo leiteiro da Colômbia. “Semanalmente saem daqui 450 toneladas de queijo para todo o país.”

Os novos blocos em prospecção – Nogal e Manzano – estão localizados em um ecossistema amazônico conhecido como piedemonte, uma zona florestada que por estar já próxima às elevações dos Andes não é tão densa, mas se torna a fonte de água para as principais cidades de Caquetá. A empresa que trabalha junto à Emerald pretende prospectar um território de 70 mil hectares, usando explosivos em até 2 km de profundidade e gerando um risco de contaminação ou assoreamento.

Ángel Medina, presidente da UNIOS, reforça o argumento de que atrair a indústria do petróleo vai contra a vocação rural da economia de San Vicente . “Para nós, os dirigentes sociais, há muita incerteza. Enquanto em Havana se fala sobre a democratização da terra como parte do processo de paz, as políticas do governo vão em direção contrária ao promover mais conflito através do aumento da exploração de recursos naturais”.

Mapa

Abaixo os lotes petroleiros de Caquetá. Em destaque a cidade de San Vicente del Caguán e o local de exploração em Los Pozos pela Emerald, empresa que pertence à estatal chinesa Sinochen

Os tanques de armazenamento de petróleo em Los Pozos. Foto: Giovanny Vera/InfoAmazonia

Os tanques de armazenamento de petróleo em Los Pozos. Foto: Giovanny Vera/InfoAmazonia

Em Los Pozos, assim que deixamos o Centro Educativo onde ocorreram as negociações de paz há 12 anos, fomos visitar os poços Capela I e Capela II, explorados pela Emerald. Toda a infraestrutura de extração e armazenamento é protegida por um destacamento do Exército colombiano. Quando nos aproximamos dos portões que isolavam os tanques, fomos alertados por seguranças de que não deveríamos estacionar ou tirar fotos. Ainda assim registramos rapidamente a entrada e saída de caminhões-tanque e algumas imagens dos poços através das grades.

No percurso de volta a San Vicente, as mesmas barreiras militares, pelas quais havíamos passado sem ser parados na ida, estavam fechadas. Os jovens soldados com fuzis nos fizeram parar e descer do jeep vermelho do Doc. Nos perguntaram o que fazíamos ali. O cabo no comando, quando percebeu que éramos estrangeiros e jornalistas, recolheu nossos passaportes e sacou seu telefone celular. Passou 10 minutos checando informações, tomando notas, sem que pudéssemos ouvi-lo.

Terminada a ligação, ele voltou com uma expressão grave, meneando a cabeça em reprimenda. “Vocês estrangeiros, jornalistas, não deveriam entrar aqui sem nos avisar. Não sabem que esse lugar está cheio de bandidos?” Era uma pergunta retórica. “Além disso, vocês estavam tirando fotos em Los Pozos. Há câmeras ali e por isso tivemos que pará-los”, acrescentou. Nossos cartões de memória já estavam nas meias ou escondidos entre os bancos do carro. Mas não houve busca.

Ouvimos ainda o sermão do cabo sobre os riscos de cruzar pela estrada com os “os bandidos” da FARC. De volta ao Suzuki vermelho cheio de bugigangas, o Doc e os jovens guias locais que nos acompanhavam não pareciam surpresos com a “dura” do Exército. Para eles, era mais um acontecimento em décadas de uma situação de guerra. É que agora, em vez de atacar a zona vermelha, o Exército defende a zona negra.

A visita a Los Pozos e San Vicente del Caguán foi feita pela equipe do projeto InfoAmazonia.org em parceria com as organizações colombianas Rede Juvenil Compaz e o Las 2 Orillas. Coloboraram nesta reportagem Giovanny Vera e Natalia Orduz.


A boa notícia na manga de Dilma: desmatamento cai 18% em 2014
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Gustavo Faleiros

Realmente surpreende a taxa oficial de desmatamento na Amazônia divulgada nesta tarde de quarta (26) em Brasília pela ministra do Meio Ambiente, Izabela Teixeira. O total de áreas desflorestadas com corte raso, medidas pelo Programa de Monitoramento da Amazônia por Satélites (PRODES), apresentou uma queda de 17,7% entre agosto de 2013 e julho de 2014 em comparação com o mesmo período anterior.

A notícia já havia sido adiantada durante as eleições pela presidente Dilma que, em resposta às críticas ao crescimento de 29% em 2013, afirmou que haveria queda neste ano.

Twiiter de Dilma no dia 19 outubro adiantou que haveria queda na divugação em novembro. Foto: Twtter/reprodução

No total, foram desmatados 4848 quilômetros quadrados (km2) contra 5891 km2 no ano passado. Esta é a segunda menor taxa desde o início da medição em 1988, acima apenas daquela divulgada no biênio 2011-2012, 4571 km2.

Veja série histórica abaixo:

Os dados, embora ainda passíveis de revisão pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), saem a poucos dias do início da Cúpula da ONU sobre Mudanças Climática – a COP20, que ocorrerá em Lima.

Ali, o Brasil poderá continuar argumentando que, ao evitar o desmatamento, é um dos países que mais contribui para a redução das emissões de gases de efeito estufa.

A surpresa aos números oficiais do desmatamento se deve à tendência de aumento no número de alertas de desmatamento, tanto aqueles medidos pelo governo – através do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) – como os da ONG Imazon – calculados pelo Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD).

Muitos analistas ao observarem o aumento de cerca de 9% em ambos sistemas de alertas entre os meses de agosto de 2013 e julho de 2014, apostaram que haveria uma elevação na taxa oficial de desmatamento pelo segundo ano consecutivo.

Este blog, por exemplo, em post anterior arriscou um palpite de elevação de entre 7% e 8% utilizando a diferença média entre o Prodes e o Deter desde 2005. Erramos.

Tentando entender a razão, enviamos um email ao pesquisador Dalton Valeriano, do INPE, que nos respondeu com a seguinte explicação:

''O Deter geralmente tem a magnitude de taxa mais alta do que o Prodes e quando a magnitude é alta, digamos maior que 20%, o Deter prediz corretamente o sinal da taxa do Prodes. Ele errou em um ano quando sua magnitude foi de 17% de aumento e o Prodes deu diminuição. No ano de 2014, o Deter teve uma taxa de 9% de aumento, valor perigosamente baixo para predizer uma tendência do Prodes.''

O que Valeriano elucida pode ser visto no gráfico abaixo: os únicos anos em que o Deter subiu enquanto o Prodes caiu foram os 2011 e, agora, 2014.

Ou seja, reforça o argumento do governo de que os alertas de desmatamento nem sempre devem ser lidos como tendência.

A presidente Dilma não blefou quando antecipou a queda, pois, além da informação do INPE, sabia que o Ibama acelera a fiscalização nas principais áreas de pressão – BR 163 no Pará e Mato Grosso. A eficácia dos fiscais foi o fator mais destacado pela ministra hoje na coletiva de imprensa.

''Houve muita fiscalização – cada vez mais intensa e melhor'', analisa o pesquisador senior do Imazon Beto Veríssimo. No entanto, ele faz a ressalva:

''Essa queda é em relação a 2012-2013 quando o desmatamento total pelo Prodes foi cerca de 5,8 mil km2, mas é bom lembrar que ainda estamos acima do desmatamento 2011-2012 que foi cerca de 4,5 mil km2. Portanto, ainda não conseguimos reverter a taxa ao que havíamos obtido 2011-2012''.

A questão que fica diz respeito já sobre a nova temporada de contagem do desmatamento. O goveno não divulgou ainda os dados do Deter de agosto a outubro. Mas o Imazon sim.

''Os dados do SAD que mostram aumento de 226% se referem ao período de agosto -outubro 2014 e, portanto, nova estação de desmatamento. Os dados do Prodes divulgados são retrovisor'', pondera Beto Veríssimo.

Os dados do governo e do Imazon podem ser comparados no mapa abaixo


Desmatamento sobe 889% no Mato Grosso. Efeito eleições ou código florestal?
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Gustavo Faleiros

A cara da degradação: floresta vai raleando com retirada de madeira e queimadas. No Mato Grosso, segundo o Imazon, a degradação subiu 1000% em outubro. Esta foto foi feita há um mês durante validação de campo dos dados de satélite em São Felix do Xingu (PA). Fonte: INPE

A cara da degradação: floresta vai raleando com retirada de madeira e queimadas. No Mato Grosso, segundo o Imazon, a degradação subiu 1000% em outubro. Esta foto foi feita em outubro passado em uma validação de campo dos dados de satélite em São Felix do Xingu (PA). Fonte: INPE

O Ibama diz que há mais fiscais em campo. Ruralistas, governo federal e estados afirmam que as novas regras de regularização de propriedades rurais, instaladas pelo novo Código Florestal, avançam. A presidente Dilma vai a ONU e diz que somos o país que mais faz para proteger as florestas tropicais.

Tudo soa bonito, mas as imagens de satélite mostram o contrário. Divulgados na segunda (17), os novos dados do Instituto do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) referentes ao mês de outubro apontam 244 km2 desmatados contra 43 km2 no mesmo período do ano passado, 467% de aumento.

Somada aos dois meses anteriores, pois a contagem se faz de agosto de um ano a julho do ano seguinte, a taxa de desmatamento eleva-se a 1082 km2, crescimento de 226% comparados aos mesmos meses de 2013. Ou seja, falar em aumento pontual não é possível

O quê mais chamou atenção no boletim do Imazon é aumento explosivo do desmatamento no Mato Grosso. De agosto a outubro, o crescimento foi de 886%. E detalhe importante: a degradação florestal, prática de fogo ou retirada seletiva de madeira que prenuncia o corte raso, subiu 1000% no estado.

Beto Veríssimo, pesquisador sênior do Imazon, analisou os dados referentes ao Mato Grosso como uma tendência consistente de alta:

''Revelam que a pressão para o desmatamento vai continuar, pois as florestas degradadas (isto é, aquelas florestas onde houve exploração ilegal de madeira e ou fogo florestal) são candidatas a serem desmatadas. O desmatamento no Mato Grosso mostra também que agora temos desmatamento para expansão de área para uso agropecuário. Antes predominava o desmatamento especulativo.''

Depois de anos ganhando elogios por ter reduzido a ilegalidade, o Mato Grosso parece estar voltando ao posto de campeão do desmatamento. Por que? Uma das explicações poderia ser o ano de eleições, onde historicamente se vê um aumento das derrubadas, pois se supõem impopulares as ações de fiscalização.

Por outro lado, se, como afirma o Imazon, a conversão ocorre para uso agropecuário, os mecanismos do Código Florestal estão claramente sendo subvertidos. O sistema que se criou está falhando – com o Cadastro Ambiental Rural (para responsabilizar o dono da terra), o licenciamento estadual ( para autorizar desmates dentro da lei) e os documentos de origem florestal (para monitorar a legalidade da madeira).

Alguma coisa não funciona e o Ministério do Meio Ambiente, o Ibama ou órgãos estaduais responsáveis pelo controle florestal dizem pouco ou quase nada. Procurados pela imprensa apenas avisaram que não comentam os dados do Imazon.

Bem, o Imazon é uma das organização não governamentais mais conceituadas no país. Sua metodologia de análise de imagem de satélite – o Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD) – existe desde 2007 e mais recentemente passou a ser replicada em outros países da bacia amazônica. As detecções de alteração na cobertura florestal são processadas em parceria com o Google, que disponibiliza seus potentes servidores para acelerar o processo.

Por que a dificuldade do Ibama e Ministério do Meio Ambiente em debater abertamente a volta do desmatamento? O palpite é de que a transição para o novo Cadastro Ambiental Rural (CAR) dificulta a responsabilização do proprietário do imóvel rural. O prazo final para o CAR, se não for extendido pelos ruralistas com conivência do executivo, é maio de 2015,

Na última coletiva de imprensa no dia 07 de outubro, o IBAMA falou em cerco ao ''crime do desmatamento''. Talvez o órgão esteja mesmo empenhado em reverter a tendência de alta, como mostraram recentes operações realizadas no Pará.
Ali, elas parecem ter surtido efeito. Mas Beto Veríssimo, do Imazon, lembra que região ainda é um dos principais focos de desmatamento

''Diminuiu o impeto do desmatamento na BR-163, em Novo Progresso (PA). Pelo menos em outubro. Isso pode ser resultado das operações de fiscalização mais intensas nessa área, houve prisão dos lideres do desmatamento. Mas é ainda cedo para comemorar''

Se as derrubadas crescem no Mato Grosso, devemos supor que as ações de fiscalização ocorrem neste momento ali ou ainda ocorrerão. Que os proprietários que desmataram sem licenciamento do estado serão punidos. Ou aqueles que degradaram floresta para retirar madeira ou com queimadas ilegais serão identificados. Ou ainda quem compra boi ou grãos de terras previamente florestadas sofrerão sanções.

Para que a sociedade possa acompanhar se isto vai mesmo acontecer, seria ao menos saudável que estivessem disponíveis as informações sobre autos de infração, áreas embargadas e, claro, os alertas de desmatamento em ''TEMPO REAL'', que agora, oficialmente atrasados, são divulgados por IBAMA e INPE a cada 3 meses.

Mapa do desmatamento

Os dados dos 3 últimos meses, assim como toda a série histórica do Imazon estão atualizadas no mapa abaixo. É possível ainda comparar com os dados do governo federal acionando os comandos no canto inferior esquerdo. Neste zoom alguns dos principais focos recentes de desmatamento em municípios de Rondônia (Porto Velho) e Mato Grosso (Colniza). Visite o InfoAmazonia.org para saber mais.


Culpando “criminosos”, IBAMA oficializa restrição a dados do desmatamento
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Gustavo Faleiros

Zanardi, presidente do Ibama, explica as mudanças na divulgação de dados, ao lado diretor do Inpe, Leonel Perondi (em primeiro plano) . Foto: Ibama/divulgação

Nada nem ninguém conseguiu ainda explicar o que se passou na última sexta-feira (7) à tarde em Brasília. O presidente do IBAMA e o diretor do INPE convocaram a imprensa para oficialmente anunciarem a mudança no calendário de divulgação dos dados do sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER) e justificaram a decisão dizendo que, ao reduzirem o acesso à informação, dificultam a vida dos ''criminosos'' na Amazônia.

''Para impedir a utilização das informações georreferenciadas pelos desmatadores um protocolo específico de divulgação das informações foi estabelecido entre Ibama e INPE. Assim, os criminosos não conseguirão saber onde estão situados os possíveis focos de desmatamento identificados pelo sistema. “E os fiscais que atuam na ponta também estarão mais protegidos”, explicou o presidente do Ibama, Volney Zanardi Júnior, em notícia publicada pelo órgão em sua na página na internet.

Se lido ao pé da letra, o trecho acima não faz o menor sentido. Os criminosos ''não conseguirão saber'' onde estão os focos de desmatamento? Mas eles já sabem onde estão. Eles mesmo são os focos! Estão ali, cortando, derrubando, queimando, grilando, passando o correntão etc etc etc .

É como se a polícia de São Paulo deixasse de publicar os dados de homicídio, furtos e roubos explicando que essa informação, se disponível ao público, facilitaria o trabalho dos bandidos. Ou se o Banco Central deixasse de divulgar os dados de inflação e juros com temor que isso poderia beneficiar os agiotas na praça.

Não há outra forma de classificar essa decisão: retrocesso. Um grande retrocesso. O Brasil estava na frente ao criar e disponibilizar um sistema de alerta de desmatamento baseados em imagens de satélites diárias.

O DETER servia como um termômetro do desmatamento. Se ele apontava para cima, a taxa oficial – medida pelo Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica por Satélites – PRODES, geralmente divulgada no fim do ano, confirmava a tendência. O DETER era um instrumento de transparência, assim como são outros indicadores – a inflação, a produção industrial, o emprego.

Na coletiva de imprensa da última sexta, porém, o diretor do INPE, Leonel Fernando Perondi, deixou claro: “Os números do Deter são alertas e não se relacionam com a taxa anual de desmatamento do Prodes”.

Não se relacionam? Vejam as duas linhas abaixo. As linhas têm correlação clara de julho de 2005 até julho de 2014 (último mês em que os dados foram divulgados). Notem que incluimos uma projeção de aumento para o PRODES em 2014.

Comparando ano a ano, é possível calcular que a média de diferença percentual entre o DETER e o PRODES é de 47,8%.  Ou seja, este último registra uma quantidade de áreas desmatadas de fato maior que o primeiro, mas essa diferença tem sido razoalvemente estável ao longo dos anos. A tomar como base os ciclos bianuais do desmatamento, ou seja 12 meses contados a partir de agosto de cada ano, vimos que em 2013/2014, o aumento de 9,8% no DETER comparados ao mesmo período anterior, ou total de 3035 km2. Se o padrão se mantiver, haverá aumento na taxa oficial de desmatamento, elevando de 5891 Km2 para 6349 km2, ou seja  7,7% de elevação.

Daqui para frente

Agora, ao invés da divulgação mensal dos dados como ocorria desde 2008, a publicação ocorrerá apenas em meses selecionados: fevereiro, maio, agosto e novembro.

Em teoria, ao não encontrarem mais os dados, os madeireros, grileiros, roceiros, pecuaristas e outros potenciais desmatadores serão pegos de surpresa, autuados e multados pela equipe de fiscalização do Ibama. Pode-se supor então que a intenção é impedir que os criminosos saibam que o governo está sabendo.

Mas será mesmo que o problema é o acesso à informação por cidadãos mal intencionados? Os últimos dados do Deter se referem a julho deste ano e já apontavam uma tendência de alta no início do período seco na Amazônia, quando as derrubadas normalmente se aceleram. O silêncio desde então não impediu uma alta de 122% no total de hectares derrubados em agosto e setembro, segundo números vazados à Folha de S. Paulo (que aliás continuam ocultos ao público).

Se a fiscalização do Ibama autuou ou embargou áreas neste período, também não é possível saber. Pois desde 2012 o órgão parou de divulgar na internet o balanço destes dois itens. Outro detalhe, relatórios gerenciais que eram publicados com frequência anual também estão atrasados.

Ao optar por explicar a redução ao acesso aos dados com um argumento policialesco, o Ibama e o INPE levantam dúvidas sobre a decisão. Ela serve mais para proteger aos chefes no Ministério do Meio Ambiente e no Palácio do Planalto do calor político que causa a destruição da Amazônia . Se subiu ou desceu a cada mês, não importa, o que vale é esperar a taxa ''oficial'' de desmatamento, anunciada apenas uma vez por ano.

InfoAmazonia

Desde o início do projeto InfoAmazonia há dois anos e meio, nosso objetivo tem sido proporcionar informação de qualidade para facilitar o acompanhamento do público sobre a floresta amazônica. Nosso mapa de desmatamento conta com dados do Deter atualizados sempre que estes são divulgados. Para contornar a divulgação irregular pelo governo de novos dados,  temos utilizado as informações geradas pelo Sistema de Alertas do Desmatamento (SAD), monitoramento independente feito pela ONG Imazon. No mapa abaixo é possível visualizar polígonos de desmatamento até setembro de 2014

 


Para salvar a Amazônia, cientista brasileiro declara guerra à ignorância
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Thiago Medaglia

Desmatamento zero e imediato é só a primeira medida a ser tomada, afirma Nobre

Desmatamento zero e imediato é só a primeira medida a ser tomada, afirma Nobre. Foto: Ibama

 

Pesquisador brasileiro apresenta compilação inédita de estudos e fala em unir esforços, mas o que você tem a ver com isso?


por Thiago Medaglia

Indignada, uma colega jornalista senta-se ao meu lado e comenta em voz baixa: “acabo de ver a repórter de uma emissora americana ir embora! Disse que não havia notícia aqui e partiu”. No auditório à nossa frente, pela primeira vez, um cientista brasileiro dedica-se a reunir em um relatório as conclusões de duzentos dos mais relevantes estudos e artigos científicos produzidos no país sobre o papel da floresta Amazônica no sistema climático.

Questões como a regulação das chuvas e a exportação de serviços ambientais para áreas vizinhas ou distantes da Amazônia foram analisadas. A conclusão: não basta reduzir a zero o desmatamento. Além de manter a floresta existente em pé (algo que já não acontece), é necessário confrontar o passivo do desmatamento acumulado (algo que nunca aconteceu). Em outras palavras, para permitir que a principal faixa tropical do planeta continue a exercer sua função de reguladora do clima é preciso cessar imediatamente com o corte de árvores e replantar parte da cobertura vegetal perdida.

A avaliação foi apresentada pelo autor da compilação, o pesquisador Antonio Nobre, do Centro de Ciências do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em um encontro na zona oeste da cidade de São Paulo na quinta-feira, 30 de outubro. “A ciência é muito fragmentada”, diz Nobre, “por isso, decidimos compilar resultados de diversas áreas e agregá-los em um relatório feito para leigos”. O trabalho foi executado a pedido da Articulación Regional Amazónica (ARA), uma rede composta por organizações de vários países da região, entre eles o Brasil.

Talvez o fato de que as informações ali debatidas já haviam sido divulgadas anteriormente de maneira difusa tenha motivado o comentário da jornalista americana. Afinal, é comum associar a busca de notícias a fatos novos e há veículos de imprensa mais voltados ao hard news (dedicado à atualização contínua dos acontecimentos) do que outros – não há nada de errado nisso. No entanto, há cada vez mais espaço para uma mídia capaz de aprofundar as discussões. Bem rápido, as coisas estão mudando – no planeta e no jornalismo.

Mas vamos retomar o foco na explanação do cientista. Durante sua fala, Antonio Nobre destaca que, entre outras funções naturais, “a Amazônia cumpre o papel de ‘bomba d’água biótica’” – ou seja, o “oceano verde” da floresta tropical capta a umidade do oceano Atlântico, que é bombeada para o interior da América do Sul. Desprovida de sua cobertura original, a grande floresta já dá indícios de falhar no generoso papel de disseminadora da umidade.

A atual seca no Sudeste, segundo Nobre, está sendo avaliada por diversos pesquisadores e “embora seja cedo para afirmar, não podemos descartar a relação com o cenário ao Norte”. Uma das principais consequências da degradação florestal é a irregularidade na ocorrência de chuvas no próprio bioma e em outras zonas do continente. Por meio de rios aéreos de vapor, a Amazônia exporta umidade e ajuda a irrigar áreas de Sudeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil, além de países como Bolívia, Paraguai e Argentina. “Sem os serviços da floresta, porções do continente que hoje são produtivas podem desenvolver um clima inóspito, quase desértico”. E complementa: “Se os paulistas querem garantir que a chuva retorne e permaneça, devem replantar a mata Atlântica e preservar a Amazônia”.


Uma nova percepção
A compilação multidisciplinar promovida por Nobre ajuda a evidenciar, também, nuances ainda pouco conhecidas da imensidão amazônica. Uma das peculiaridades apontadas é que a floresta, além de manter o ar úmido, favorece a formação de chuvas em ar limpo. “Até pouco tempo atrás não sabíamos disso, mas o fato é que as árvores emitem aromas a partir dos quais se formam sementes de condensação do vapor d’água”. Em contato com os núcleos das nuvens, esses aromas impulsionam as chuvas fartas (e eu só consigo pensar que há poesia de sobra na ciência).

Acontece que a competência em regular o clima se dá, principalmente, pela capacidade inata das árvores em transferir grandes volumes de água do solo para a atmosfera por meio da transpiração: na Amazônia, são 20 trilhões de litros de água transpirados ao dia (para se ter uma ideia, o rio Amazonas, o mais volumoso do mundo, despeja 17 trilhões de litros de água diariamente no oceano Atlântico). Só que o desmatamento coloca em risco todos esses atributos.

A redução drástica na transpiração, a modificação na dinâmica das nuvens e das chuvas e o prolongamento da estação seca nas zonas desmatadas são efeitos já previstos em modelos científicos e confirmados por observações. A floresta, formada há 400 milhões de anos, tem grande capacidade de resistir a cataclismos climáticos, entretanto, quando atingida por motosserras, tratores e incêndios artificiais, sua imunidade natural é quebrada. O gigante é vulnerável.

De acordo com cálculos do próprio Nobre, a ocupação da Amazônia já destruiu 42 milhões de árvores, ou seja, mais de 2.000 árvores por minuto – sem intervalos – nos últimos 40 anos.

“Precisamos de um esforço de guerra”, diz Antonio Nobre. E continua: “Durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos interromperam a produção de carros populares para concentrar esforços na indústria bélica. É desse tipo de mobilização que precisamos para conter o desmatamento e suas consequências drásticas”.


E o que pressupõe o esforço conjunto sugerido por Nobre?
Entre outras ações: desmatamento zero já, a abolição de fogo, fumaça e fuligem (veja no mapa ao final do texto) e uma guerra contra a ignorância. Eis a parte mais difícil: de que maneira mobilizar a sociedade para um posicionamento firme contra o desmatamento?

Para alguns cientistas, o momento que vivemos hoje representa sistemas em colisão. Os sistemas humanos de infraestrutura (construção, energia, transporte, indústria e comércio) agridem a todo instante o funcionamento de sistemas naturais como os ciclos de nitrogênio e do carbono, a dispersão da umidade, a ocorrência ou não de precipitações e outros.

Há quem aposte que a tecnologia pode evitar o colapso ambiental e salvar a humanidade de seus próprios danos aos sistemas naturais. O grande problema é que as forças econômicas em jogo não favorecem revoluções tecnológicas a longo prazo. A lógica do crescimento econômico não poupa os recursos do planeta. A natureza pode minguar e milhões de vidas humanas podem ser perdidas, mas as pessoas resistem em modificar seus hábitos. A pauta ambiental, por exemplo, não foi tema em nenhum dos recentes debates políticos entre os candidatos à presidência do Brasil. Por que?

Para além do discurso de alienação política ou da falta de sintonia perceptiva, outro pesquisador, o psicólogo americano Daniel Goleman, aponta uma dificuldade, digamos, evolutiva: o aparato de percepção do nosso cérebro tem um ajuste fino para sorrisos e expressões de irritação, bebês, trovoadas e rosnados de animais perigosos (focos que foram úteis à sobrevivência da espécie: diante de um risco eminente, por exemplo, nosso cérebro libera hormônios como a adrenalina e nos preparamos para bater ou correr).

Entretanto, Goleman afirma seu livro mais recente (Foco, Editora Objetiva),  ''não temos qualquer radar neural para as ameaças ao sistema global que suporta a vida humana. São questões macro ou micro demais para que nós as percebamos diretamente'' – como o pó mágico das árvores que estimula as chuvas ou a colossal transpiração da Amazônia. ''Assim, quando confrontados com essas ameaças globais, nossos circuitos de atenção tendem a dar de ombros.''

O esforço de guerra, portanto, começa por superar em si uma maneira intrínseca de ver o mundo como um oásis de recursos inesgotáveis. É chegada a hora de conectar pontos menos evidentes à primeira vista e desenvolver um modelo de pensamento sistêmico, onde a complexidade dos eventos ao nosso redor é levada em conta.

Do contrário, incorremos no risco de não enxergar a notícia ou de agir como um pecuarista mencionado pelo jornalista André Trigueiro nas redes sociais no último fim-de-semana: o homem culpava a seca pela morte de 800 cabeças de gado – atrás dele, uma paisagem de morros desmatados para virar pasto.


Jornalismo cidadão direto da Amazônia colombiana
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Giovanny Vera

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Florencia, a capital de Caquetá, cidade com 200 mil habitantes na região em que a Amazônia encontra as montanhas andinas. Foto: Gustavo Faleiros

O departamento de Caquetá, na Amazônia colombiana, passa por enormes mudanças. Sua parte ocidental, região onde a floresta amazônica avança sobre as encostas das montanhas andinas, se tornou o principal foco de desmatamento da Colômbia na última década. De acordo com o sistema de alertas de desmatamento Terra-i, Caquetá é o local com a maior taxa de derrubadas em toda a Amazônia andina.

No mapa abaixo as áreas desflorestadas desde 2004 (sistema Terra-i)

A razão para o avanço sobre a vegetação, conhecida por formar o ecossistema piedemonte na Colômbia, é a prosperidade econômica de Caquetá. Entre a década de 1990 e o início dos anos 2000, o departamento era conhecido pelos conflitos entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o Exército Nacional. Porém, com os avanços nos processos de paz, a capital Florencia e municípios como, por exemplo, San Vicente del Caguán (onde as FARC chegaram a criar uma zona autônoma), se tornaram polos de um desenvolvimento econômico impulsionado pela chegada de empresas de petróleo e mineração, além do forte crescimento da pecuária

As mudanças relacionadas ao desenvolvimento e seu impacto sobre o meio ambiente em Caquetá foram temas de uma jornada de treinamento a jornalistas-cidadãos na cidade de Florencia, capital do departamento. O encontro, ocorrido na primeira quinzena do mês de outubro, reuniu o time do InfoAmazonia, convidado pela Fundação Avina e a organização colombiana de jornalismo independente Las2Orillas.

O evento contou com a participação de 35 representantes de organizações civis, religiosas, universidades, governos regionais e municipais, e da mídia local.

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Reunidos em Florencia, 35 participantes de meios de comunicação local, organizações da sociedade civil e universidades.

O objetivo do treinamento foi trabalhar em conjunto as ferramentas de jornalismo digital para que os cidadão possam informar, opinar ou denunciar fatos do lugar onde moram por meio do site do Las2Orillas e pelos mapas e informações contidas na plataforma InfoAmazonia.

A ideia foi formar correspondentes-cidadãos que possam influir nas tomadas de decisão no país. O site de Las 2Orillas está entre os 10 veículos de comunicação mais acessados na Colômbia.

Natália Orozco, do Las2Orillas, dirigiu a treinamento e explicou a importância de um espaço de comunicação distinto dos grandes meios e próprio aos cidadãos.

Gustavo Faleiros, do InfoAmazonia, apresentou a iniciativa dando destaque aos dados e notícias agregadas, onde pessoas, grupos e organizações possam mostrar informações e dados relevantes de uma forma clara e precisa.

Os participantes realizaram uma prática jornalística de pesquisa e criação de notícias ambientais focadas na região em que moram, e logo aprenderam a usar a ferramenta “Nota Cidadã” no site de Las2Orillas, por meio do qual podem publicar seus textos e fotografias.

Como resultado do treinamento, algumas notas foram publicadas e podem ser lidas (em espanhol) nos links:

1. Caquetá desierto de información, paraíso de extracción
2. Entre el amor y el odio, Caquetá y Petróleo.
3. Caquetá frente al reto de concertar un POT
4. Caquetá ríos de petróleo, sed y desesperanza
5. Territorio y resistencia Inga en el Caquetá.
6. En Caquetá una vereda se convierte en guardería de fauna
7. Mercedes, la profesora de la resistencia ambiental

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Voz para a Colômbia esquecida

O Las2Orillas é um time de jornalistas que quer mostrar ao mundo a Colômbia que está esquecida, que não é vista, a outra margem (orilla, em espanhol). Através de relatos, pesquisas e análises, a iniciativa quer dar um espaço a vozes em zonas que foram estigmatizadas e deixadas de lado após 60 anos de conflito.

O projeto, que recebe doações e apoio de ONGs e outras organizações com vocação social, aposta em um jornalismo independente, digital, regional e cidadão, com o propósito de fortalecer a democracia.

A aliança com o InfoAmazônia ocorre dentro do marco Cidadão de nosso projeto, diretriz lançada este ano por nosso time em parceria com a Avina e que busca aliados na sociedade civil para compartilhar informação com foco hiperlocal. Ou seja, dados de danos ambientais, conservação, desenvolvimento, clima, entre outros que possuam escala de uma cidade, vila ou comunidade e que possam ser confrontados com avaliações de âmbito nacional.


Hackers unidos para monitorar a crise da água
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InfoAmazonia

Preocupados com a crise hídrica no Brasil, profissionais de diversas disciplinas se reuniram duas vezes em setembro para discutir de que forma a tecnologia pode auxiliar na difusão de informação.

Encontro ocorreu no Garoa Hacker Clube em São Paulo. Foto: Bruno Fernandes

Encontro ocorreu no Garoa Hacker Clube em São Paulo. Foto: Bruno Fernandes

No dia 5 de setembro, a equipe do InfoAmazonia.org promoveu a “Hackatona: Dados e Sensores para medir a qualidade d'água”. O evento, ocorrido no Garoa Hacker Clube (São Paulo) reuniu 30 participantes em torno da discussão sobre monitoramento da qualidade dos recursos hídricos e jornalismo de dados. Ambos assuntos são temas do projeto Rede InfoAmazonia, iniciativa piloto que visa desenvolver sensores de baixo custo para monitorar a qualidade da água e comunicar informações com transparência.

Participaram acadêmicos, consultores na área de recursos hídricos, programadores, jornalistas e ativistas. Os participantes da hackatona se dividiram em duas trilhas de pesquisa: desenvolvimento de hardware livres e dados públicos.

A trilha de hardware foi liderada por Ricardo Guima, pesquisador e desenvolvedor de hardware livre. A criação de sensores de baixo custo é um desafio frente aos equipamentos patenteados que fazem monitoramento do meio ambiente. O desenvolvimento dos sensores garante a transparência dos dados desde a captura até a publicação, defendeu Guima durante os debates com os participantes

Guima, do projeto Rede InfoAmazonia, coordenou a trilha de desenvolvimento de sensores para medir qualidade d'água. Foto: Bruno Fernandes

Guima, do projeto Rede InfoAmazonia, coordenou a trilha de desenvolvimento de sensores para medir qualidade d'água. Foto: Bruno Fernandes

A trilha de dados públicos foi coordenada pelo jornalista Gustavo Faleiros, do InfoAmazonia. A busca do grupo de trabalho foi relacionar as bases de dados públicas sobre saúde e saneamento (IBGE e DataSUS, que hoje compõem o índice da Fiocruz Água Brasil) para disponibilizar online análises de dados por meio de mapas e infográficos. O trabalho deu origem ao aplicativo Visaguas – http://visaguas.infoamazonia.org/

Segundo encontro

Programadores do InfoAmazonia mostraram visualizações feitas com dados de qualidade de água

Programadores do InfoAmazonia mostraram visualizações feitas com dados de qualidade de água

A profusão de ideias e o entusiamo do grupo que participou da primeira hackathona gerou a ideia de promover mais um encontro. Assim, no dia 15 de setembro, também no Garoa Hacker Clube, ocorreu o “Hack d'Água´São Paulo: dados e sensores para informar sobre a crise hídrica”

Com 35 pessoas, o grupo contou com articulação e mediação do Instituto Socioambiental (ISA) e do InfoAmazonia. O dia começou com apresentações de ferramentas de análise e mapeamento da qualidade da água, com foco em São Paulo. Alex Piaz, pesquisador e desenvolvedor no ISA apresentou o portal de pesquisa “De onde vem minha água”, bem como a base de dados que deu origem à ferramenta.

Maru Whately, do Instituto Socioambiental, apresentou propostas melhorar monitoramento cidadão em SP. Foto: Bruno Fernandes

Maru Whately, do Instituto Socioambiental, apresentou propostas melhorar monitoramento cidadão em SP. Foto: Bruno Fernandes

Os ativistas Rodrigo de Luna e Maru Whatley apresentaram a plataforma do Cidade Democrática como ambiente de participação cidadã, dando ênfase a políticas públicas com o tema da água na cidade de SP e como a visualização de dados pode ser um fator chave na articulação e fomento de novas propostas.

Os desenvolvedores do InfoAmazonia, Miguel Peixe e Vitor George, apresentaram o portal visaguas.infoamazonia.org e o mananciais.tk, ambos projetos que fazem o acompanhamento de dados da qualidade e disponibilidade da água.