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Governo é condenado por operação militar em território indígena

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Em 2012, Marinha invadiu terra dos Waimiri-Atroari, no Amazonas, com “forte armamento” e “postura ofensiva em relação aos índios”

Por Vandré Fonseca

O governo brasileiro foi considerado culpado por danos morais coletivos cometidos contra os índios Waimiri-Atroari, que vivem na divisa entre Amazonas e Roraima, provocados por militares da Marinha nos limites da Terra Indígena. Na ação, que tramita na 1ª Vara Federal no Amazonas, o Ministério Público Federal (MPF) questiona atitudes dos militares na Operação Água 4, realizadas em maio de 2012. À decisão, cabe recurso.

A Operação Ágata é realizada desde 2011 pelas Forças Armadas, em coordenação com órgãos federais e estaduais, para combater crimes e reforçar a presença do estado brasileiro na faixa de fronteira. Em maio de 2012, a operação cobriu uma extensão aproximada de 5.200 quilômetros de fronteira, desde o Amazonas até o Amapá, com a participação de aproximadamente 8,5 mil militares. Entre os resultados, duas pistas de pouso clandestinas foram explodidas e cinco garimpos fechados.

O alvo da processo jurídico são ações da Marinha realizadas durante a  operação na Terra Indígena Waimiri-Atroari. Segundo a Procuradoria da República, militares forçaram, inclusive com ameaças de prisão, a retirada de boias e sinalizadores colocados pelos índios no Rio Jauaperi para delimitar e impedir a entrada de estranhos na reserva. Eles chegaram a cortar as correntes que prendiam as boias. Segundo o Ministério Público, a tropa tinha “forte armamento e adotou uma postura ofensiva em relação aos índios”, deixando de levar em conta peculiaridades socioculturais ou o modo de vida dos indígenas.

De acordo com pedido do MPF, novas incursões em áreas tradicionalmente ocupadas pelos Waimiri-Atroari, mesmo que fora dos limites reconhecidos oficialmente da terra indígena, estão condicionadas à realização de treinamentos para que os militares respeitem as peculiaridades socioculturais dos índios. Antropólogos indicados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) deverão participar do programa de treinamento. Além disso, devem ser produzidas cartilhas sobre o modo de vida dos índios para serem entregues à tropa.

Em nota divulgada na última terça-feira, 6, o comando do 9º Distrito Naval informou que ainda não havia sido notificado da decisão, mas afirmou que as ações na Terra Indígena Waimiri-Atroari tiveram amparo no Decreto 4.412, de 7 de outubro de 2002, que dá livre acesso a militares e policiais em operações de defesa, garantia da lei e da ordem e segurança pública.

As ações, segundo a nota da Marinha, foram embasadas também na decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima, Na decisão que confirmou a homologação da reserva em Roraima, o Supremo determinou também que as Forças Armadas e da Polícia Federal poderiam atuar em áreas indígenas, independentemente de consulta às comunidades. A nota destaca a participação de vários órgão federais e estaduais, na Operação. E afirma ainda que o comando do 9º Distrito Naval vai aguardar a comunicação da Advocacia-Geral da União para prestar informações complementares.

A Marinha destaca que a Fundação Nacional do Índio (Funai) estava entre os órgãos federais que participaram da Operação. Também em nota, a assessoria de imprensa da Funai confirmou que a fundação teve representante no Comando de Área de Operações e a participação 40 servidores, em ações cívico-sociais e repreensão de crimes ambientais em comunidades indígenas na área de fronteira. Apesar das perguntas enviadas sobre o assunto, a nota não cita as ações da Marinha na TI Waimiri-Atroari ou o processo movido pelo Ministério Público.

A Terra Indígena Waimiri-Atroari ocupa pouco mais de 2,5 milhões de hectares, na margem esquerda do Rio Negro, nas bacias dos rios Jauaperi e Canamaú, ao longo da divisa entre Amazonas e Roraima. Na área, segundo o Programa Waimiri-Atroari, vivem 1,9 mil índios. O contato da etnia com não-índios tem um longo histórico de conflitos.

No século passado, eles ganharam fama por reagir às invasões de exploradores em busca de recursos como peles de animais, balata, castanha e pau-rosa. A construção da BR-174, que corta a região, entre 1967 e 1977, durante o período militar, causou grande impacto sobre a população dos índios que chegou a pouco mais de 300 indivíduos. Os Waimiri-Atroari enfrentaram também impactos com a entrega de parte do território a mineração de cassiterita e ao lago da usina hidrelétrica de Balbina.

Conheça a história de violações contra os Waimiri-Atroari na ditadura militar no dossiê publicado na Cartografia de Ataques Contra Indígenas (CACI), desenvolvida pelo InfoAmazonia:

O andamento da ação civil pública nº 0001769-90.2014.4.01.3200, movida pelo MPF, pode ser consultada no site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.