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Dois meses depois, polícia não sabe quem matou secretário de Altamira (PA)

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Ainda sem resposta, assassinato do responsável pela pasta de meio ambiente do município traz luz a triste realidade vivida por ambientalistas da Amazônia

Por Síntia Maciel

Execução. Esta é a única certeza até o momento dada pela Polícia Civil do Pará para o assassinato do secretário municipal de Gestão do Meio Ambiente e Turismo de Altamira (Semat) Luiz Alberto Araújo, 54, morto a tiros no dia 13 de outubro. Apesar de ter tido repercussão internacional, a polícia ainda não apontou ninguém como responsável pelo assassinato.

Há dois anos à frente da pasta de Gestão de Meio Ambiente e Turismo de Altamira, o secretário vinha se notabilizando pelos esforços no saneamento básico e no licenciamento do aterro sanitário da cidade. Antes de começar a trabalhar em Altamira, Araújo já havia sido secretário de meio ambiente no município vizinho de São Félix do Xingu, onde conseguiu fazer com que fazendeiros e demais setores ligados ao desmatamento na região aderissem ao Cadastro Ambiental Rural.

Por conta dos trabalhos desenvolvidos, suas ações incomodavam setores como o madeireiro e de extrativismo mineral, cujas atividades irregulares eram combatidas por Luiz Alberto.

Polícia ainda não concluiu inquérito que investiga morte de Luiz Alberto (foto), então autoridade máxima de Altamira. Foto: Divulgação/Prefeitura de Altamira

Polícia ainda não concluiu inquérito que investiga morte de Luiz Alberto (foto), então autoridade máxima de Altamira. Foto: Divulgação/Prefeitura de Altamira

Ao menos dez policiais civis – dos quais três são delegados – estão atuando no caso. Eles não detalham os andamento dos trabalhos do “Caso Luiz Alberto” para, segundo a assessoria de imprensa da Polícia Civil do estado, não atrapalhar o andamento das investigações, que completam dois meses nesta terça-feira (13) sem que qualquer envolvido tenha sido indiciado. Entretanto, conforme a assessoria do órgão, os trabalhos estão “bem adiantados”, com suspeitos sob investigação. A quantidade de investigados, contudo, não foi revelada.

Na noite em que foi morto, Luiz Alberto Araújo chegava em casa com sua esposa, filha e enteada no veículo que dirigia. Dois homens, que já circulavam a região há algum tempo, se aproximaram do carro e dispararam nove tiros no secretário – boa parte deles na cabeça. Ninguém mais ficou ferido.

Ainda não é possível afirmar, com precisão, que o crime foi encomendado

“Ainda não é possível afirmar, com precisão, que o crime foi encomendado. A linha de investigação do crime mostra que houve, sim, uma execução, pois está patente que o alvo dos criminosos era o secretário de meio ambiente e turismo Luiz Alberto Araújo, visto que todos os disparos foram direcionados ao secretário. As investigações ainda prosseguem visando elucidar a motivação ou motivações do crime. Da mesma forma, ainda não se pode indicar a questão de mandante, o que também será apurado no decorrer do inquérito policial”, informa a Polícia Civil do Pará por email.

A polícia não tem qualquer registro de ameaças de morte recebidas por Araújo, seus familiares ou colegas de trabalho.

Didático e dedicado
“O Luiz Alberto era uma pessoa competente, dedicada ao seu trabalho, às questões ambientais e realmente entendia sobre as mesmas. A morte dele chocou a todos, porque ele era uma pessoa muito querida e envolvida com o tema”, recorda Lúcio Costa, 65, que trabalhava com Araújo na secretaria durante os dois anos em que ele esteve à frente da pasta.

[Luiz Alberto] conseguia sempre trazer o infrator ambiental para o nosso lado, orientando, mostrando o que era certo a ser feito para preservar o meio ambiente

O servidor relata que, apesar de ser rígido na aplicação da legislação ambiental, quando identificava ilícitos nas áreas nas quais são de responsabilidade da secretaria, Luiz Alberto procurava “punir” o infrator de uma forma didática, conscientizando-o sobre o ilícito praticado. “Apesar de ser rígido e exigente no cumprimento da lei ambiental, ele não era um cara ‘chato’. Muito pelo contrário: ele conseguia sempre trazer o infrator ambiental para o nosso lado, orientando, mostrando o que era certo a ser feito para preservar o meio ambiente”, conta Lúcio, que também acompanha as investigações policiais sobre o caso.

“Todos na secretaria estão na expectativa para que este caso seja solucionado, para que saibamos realmente o que aconteceu e porquê ele foi morto daquela forma tão brutal”, diz. Lúcio disse à reportagem desconhecer queixas ou reclamações de Luiz Alberto sobre possíveis ameaças e intimidações ao longo dos dois anos em que ele estava administrando a Semat.

Confira o desmatamento na região de Altamira, no Pará:

Estatística macabra
A morte de Araújo também traz à tona uma triste realidade vivida por ambientalistas e demais pessoas que se dispõem a combater ilicitudes ao meio ambiente ou ainda defender um pedaço de terra para o plantio ou simplesmente morar. De acordo com dados divulgados em julho deste ano pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2015 foram registrados 50 assassinatos no campo. Destes, 47 ocorreram na região da Amazônia Legal. O Pará de Luiz Alberto é o segundo estado com mais registros: naquele ano, foram 19 assassinatos.

A Amazônia é hoje a região de maior intensidade de conflitos agrários

“A Amazônia é hoje a região de maior intensidade de conflitos agrários. No ano passado, foram assassinados inúmeros camponeses, indígenas, lideranças populares nestes conflitos na Amazônia”, declarou a coordenadora da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Jeane Belline durante a apresentação do relatório “Amazônia, um bioma mergulhado em conflitos – Relatório Denúncia”, em fevereiro deste ano no Amazonas.

Na ocasião, Belline chamou a atenção para o fato de que o relatório deixa clara a omissão do Estado nos casos de mortes, agressões e ameaças envolvendo conflitos de terras – a maioria deles apontando a autoria para fazendeiros e pessoas ligadas ao tráfico de drogas. “O Estado é omisso a partir do momento em que fica evidente a falta de conclusão de processos de regularização pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e falta de investigação de casos de violência que acabam contribuindo para mais conflitos nesse sentido”, afirmou.

Os números parciais deste ano também assustam: no período de janeiro a dezembro de 2016, o total de 54 casos foram registrados em todo o país. Destes assassinatos, 41 ocorreram na região da Amazônia Legal. É o maior número desde 2003. O caso de Luiz Alberto Araújo ainda não foi contabilizado por estar em análise pela entidade. Para serem incluídos nos relatórios de Conflitos do Campo da organização, que são lançados anualmente, uma série de informações precisa ser confirmada pela CPT. Neste caso, a entidade considera que faltam informações e dados mais precisos que comprovem que este trata-se de um crime relacionado a um conflito agrário ou ambiental, por exemplo.

“Em seus 32 anos de existência, a CPT divulgou e acompanhou os casos mais emblemáticos, ligados aos conflitos de campo, cujas vítimas foram indígenas, trabalhadores sem-teto, lideranças entre outros. São mais de 1.200 casos. Deste total, aproximadamente, 140 deles resultaram em julgamento, outros 40 em condenação e ao menos 10 pessoas presas”, observa um dos coordenadores da CPT Nacional, Rubem Siqueira.

Segundo Rubem, a falta de punição para este tipo de crime e a conivência do Estado para uma série de situações dificultam a punição dos infratores, fazendo com que as vítimas se tornem apenas um número de estatística e os casos não recebam a atenção necessária.

Se houvesse punição para tais crimes, com certeza não haveria outras mortes, mas o Estado é conivente

“Se a polícia não faz uma boa investigação de um caso, o Ministério Público não terá elementos suficientes para denunciar o infrator. Quando o inquérito anda, aí a Justiça não é célere. Há uma série de interesses envolvidos nestes casos, que infelizmente só prejudicam o andamento do processo”, lamenta o coordenador da CPT, para quem uma mudança no quadro, só ocorrerá mediante um projeto social sustentável – o que não vem ocorrendo –, que sirva para ajudar os atores envolvidos diretamente com o impacto ambiental das medidas. “Os excluídos da terra sofrem violências diversas e isso fica evidente quando analisamos caso a caso. Existe um índice grande de impunidade. Se houvesse punição para tais crimes, com certeza não haveria outras mortes, mas o Estado é conivente”, dispara.

Caso Maria das Dores Priante
“Há uma década estes conflitos não eram levados a sério, eram tratados de uma forma sigilosa. Hoje isso mudou, mas ainda há muito o que se fazer. Há que se massificar ainda mais estes crimes envolvendo os conflitos por terra ou ligados à questão da defesa ambiental”, avalia o professor Gerson Priante, 66.

O educador fala com a autoridade de quem não só acompanha a luta de comunidades que brigam por um pedaço de terra para morar. Gerson é viúvo da líder comunitária Maria das Dores Santos Salvador Priante, 54, assassinada com 12 tiros em agosto de 2015 no município de Manacapuru, a 89 quilômetros de Manaus. Maria denunciara um esquema ilegal de desapropriação e vendas de terra, além de ameaças, por parte de Adson Dias da Silva, o “Pinguelão”, preso dois meses após o crime como um dos autores do homicídio. Antes do crime, a líder comunitária já havia registrado ao menos 18 boletins de ocorrência contra Adson por ameaças de morte.

Maria das Dores em pronunciamento de abril de 2015 na Assembleia Legislativa do estado sobre ameaças que vinha sofrendo. Foto: Alberto César Araújo/Aleam

Maria das Dores em pronunciamento de abril de 2015 na Assembleia Legislativa do estado sobre ameaças que vinha sofrendo. Foto: Alberto César Araújo/Aleam

“A pressão popular, assim como a cobertura do caso feita pela imprensa à época, foi muito importante para a prisão do Adson. Isso é o que deve ocorrer. Os casos não devem ficar no esquecimento. Devem ser cobrados, massificados. Os escândalos envolvendo crimes deste tipo, sejam de conflitos agrários ou não, devem ser cobrados pela sociedade para que as autoridades deem uma resposta”, salienta.

Além de Adson, também foi preso Ronaldo de Paula da Silva. Ambos deverão ser levados a júri popular pelo crime. Duas audiências de instrução sobre o caso já foram realizadas desde então, mas ainda não há data para o julgamento.

Gerson Priante, que já foi padre atuante na CPT, chama a atenção para o fato de que, na Amazônia, há casos que não chegam nem a ser noticiados. “Isso só irá mudar se houver mais esclarecimento, mais educação às pessoas que lutam pelo seu pedaço de terra, e também mais empenho por parte das autoridades em elucidar estas ocorrências e punir os culpados com os rigores da lei”, destaca.