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O senhor do Rio Negro

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Há 30 anos medindo voluntariamente o nível do Rio Negro em Manaus, Valderino Pereira é referência no que faz

Por Síntia Maciel

Na régua, Valderino Pereira mede o nível do Rio Negro há mais de 30 anos. Foto: Gustavo Faleiros

Na régua, Valderino Pereira mede o nível do Rio Negro há mais de 30 anos. Foto: Gustavo Faleiros

Falar da medição do Rio Negro é falar de Valderino Pereira da Silva, de 67 anos. Figura simpática e de riso fácil, o homem que há mais de 30 anos realiza a medição diária do nível do Rio Negro tem a responsabilidade de aferir e anotar a leitura hidrográfica, em uma régua posicionada na área portuária de Manaus e na qual constam todas as marcas das enchentes e vazantes a partir de 1902, quando o serviço começou a ser realizado. O trabalho de Valderino serve de base para que diversos órgãos estaduais e municipais e empresas de navegação adotem as suas medidas para navegação e previsão de situações de impacto à população.

Responsável também por toda a manutenção do porto, Valderino conta que começou a trabalhar no local como auxiliar de serviços gerais. “Mas, ao longo dos anos, fui ocupando outras funções: ajudante de pedreiro, carpinteiro, pintei boias ou tirei ferrugem delas no meio do rio. Quando me formei em técnico de edificações pela antiga Escola Técnica [hoje Instituto Federal do Amazonas] fui estagiar no setor de engenharia, na década de 70. Foi quando comecei a aprender a fazer a medição hidrográfica, no porto. Havia um rapaz, o José Cavalcante Paiva, que era o responsável por esse serviço. Quando ele tirava férias, era eu quem assumia. Mas, em nenhum momento imaginei que um dia estaria com a responsabilidade que tenho hoje. Tudo foi acontecendo naturalmente”, declara o engenheiro civil, curso que ele fez na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e onde se formou em 1998, 12 anos após ser aprovado.

“Foi uma época muito complicada, pois vinha trabalhar e tinha que sair correndo para assistir aula no campus. Houve dias em que pensei em desistir, em jogar tudo para o alto, mas batalhando e com o apoio da família, amigos e de algumas pessoas daqui, consegui concluir o curso”, relata ele.

Seu Valderino recorda que o período também foi uma das grandes batalhas já enfrentadas por ele, devido à resistência de um dos administradores do porto de Manaus, que não queria que ele estudasse em virtude do horário de trabalho, uma vez que o curso de engenharia civil é diurno.

Workaholic
Apaixonado pelo trabalho, Valderino conta que quase nunca deixa o trabalho para descansar. ”Férias é um problema para mim. Meu lazer hoje é o meu trabalho. Dificilmente eu tiro férias e neste ano ainda não tirei. Imagine você todos os dias ter que ir ao local de trabalho, ao longo de 40 anos, e, de repente, ter que parar de fazer isso, ainda que retorne depois? É disso que gosto de fazer”, afirma.

Apesar de todo o conhecimento, ele lamenta ainda não estar treinando um sucessor e chama a atenção para o fato de que o problema em si não é o de ensinar o serviço para alguém, mas passar a experiência adquirida ao longo dos anos, de observação do comportamento do Rio Negro.

“A aferição hidrológica é uma informação de interesse público a qual deve passar com responsabilidade. Por isso estou sempre lendo também. Não só sobre o Rio Negro, mas também sobre os demais rios da nossa região, para saber como está o comportamento deles”, destaca.

Celebridade
À primeira vista, quem nota o jeito sério de Valderino não imagina que se trata de uma celebridade que já esteve ao vivo em programas de TV, como o Mais Você, da apresentadora Ana Maria Braga, em 2012. Na ocasião, o Rio Negro registrou a sua maior cheia deste século, com a marca de 29,97 metros.

Já em 2014, uma equipe de TV japonesa também esteve em Manaus para entrevistá-lo. No mesmo ano, uma televisão gaúcha o selecionou, ainda, como personagem da cidade, como uma das sedes do Mundial de Futebol da FIFA.

O engenheiro também já foi condecorado com a mais alta comenda concedida pela Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, a medalha Ruy Araújo, em 2000.

Mas sua relação com o público nem sempre foi assim: “Na minha primeira entrevista estava tão nervoso, mas tão nervoso, que a equipe da televisão entrou por uma porta e eu saí por outra, de tanto medo que tive naquele momento, de gaguejar ou falar algo errado”, recorda em meio ao riso.

Apesar de medir o nível do rio Negro há 47 anos, Valderino conta que não deixou de estudar um minuto sequer.

“A minha responsabilidade em passar as informações sobre o nível do rio é muito grande, pois é a partir dela que alguns estudos são realizados. Qualquer pessoa pode fazer a medição, mas a experiência, a vivência é o que conta. O período do ano é o mesmo, seja setembro, outubro, mas as cotações não são as mesmas, assim como as mudanças que ocorrem em relação a descida do Negro, que em várias ocasiões já mostraram variar de 20 a 40 centímetros, em anos distintos”, observa.

A dedicação de Valderino ao serviço da leitura hidrográfica do Negro chama a atenção pelo fato de que a atividade não integra os trabalhos de manutenção do porto de Manaus, pelo qual ele é responsável.

“Para mim, é uma satisfação poder informar sobre o Rio Negro. A análise da cota diária não faz parte das minhas obrigações, mas é algo que faço com prazer, por ajudar nas pesquisas e informar a sociedade”, conclui.