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Os Munduruku, o bem comum e a espoliação público-privada
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Gustavo Faleiros

Os Mundurukus ocupam o canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de São Manoel, próximo à Alta Floresta (MT). (Foto: Fórum Teles Pires)

Pouco visibilidade, ou apenas restrita, se deu à ocupação do canteiro de obras da usina São Manoel por indígenas da etnia Munduruku na semana passada. A futura hidrelétrica está localizada no rio Teles Pires, um dos principais formadores do Tapajós, na divisa do Pará com o Mato Grosso, e deve estar pronta em maio de 2018.

Como se pode ler em comunicado dos manifestantes , o protesto denunciou o desrespeito aos sítios sagrados dos indígenas. “Há anos os indígenas reivindicam que seus objetos sagrados, retirados sem permissão pela Companhia Hidrelétrica de Teles Pires (CHTP), sejam devolvidos ao povo Munduruku. Doze urnas funerárias estão sob a posse da CHTP desde 2014.”

O protesto do Munduruku pode parecer reles mística pagã aos investidores, mas o sagrado é o que melhor define um bem imaterial, coisa comum entre as pessoas mas que não se traduz em valor monetário. No caso de povos indígenas, sua cosmologia ou visão de mundo é frequentemente tão integrada à natureza, que o choque com a mentalidade do lucro é inevitável. Quase sempre, um choque violento.

Feliz coincidência, na semana passada estiveram no Brasil Silvia Federici e George Caffentzis. Ela, italiana, e ele, grego, são filósofos que há anos desenvolvem ideias e estudos sobre o conceito de “commons”. Em português parece não haver ainda uma tradução ideal, mas poderia ser dito que se trata do bem comum. Algo próximo de um patrimônio coletivo, ainda que possa ser imaterial, como a cultura ou a religião.

Eles vieram para o lançamento do livro de Federici – “O Calibã e a Bruxa” – publicado no Brasil pela Editora Elefante e participaram, na sexta, dia 21 de julho, de uma roda de conversa promovida pela Fundação Rosa Luxemburgo, em São Paulo.

O que marca ao ouví-los é a sua convicção de que a sociedade organizada pelo propósito de defender o bem comum é uma verdadeira afronta ao modelo vigente, de sociedade de consumo, ao mercado, ao próprio capitalismo.

A ideia de “commons” nasceu com as terras comunais na Inglaterra, mas logo foi identificada em movimentos de resistência à destruição do meio ambiente na África e América Latina. Hoje evoluiu para o conhecimento (knowledge commons) e cultura (creative commons), como indicam as absorções do conceito no software livre ou no direito autoral.

A concepção de um patrimônio coletivo se alinha com as realidade de gestão participativa, decisões coletivas, propriedades comunais. Onde isso se distingue do comunismo? Bem, a diferença está no simples fato de que o bem comum não é necessariamente o bem estatal. O bem público, a partir dessa leitura, é o bem comum, algo diferente dos bens pertencente, controlados e ou administrados pelo Estado.

As experiências que interessam a estes dois pensadores são as de autonomia. O que defendem é poder exercido de baixo para cima, que os bens sejam compartilhados e a proteção de recursos naturais ocorra através de auto-regulação. Movimentos como o Zapatismo ou a resistência à indústria do petróleo na Nigéria e no Equador são caros a Federici e Caffentzis.

Não é difícil enxergar os traços desta discussão no momento em que vive o Brasil. Os Mundurukus estão aí gritando alto contra a privatização de seus rios e matas. Mas o interesse estatal tem sido a clara expressão de uma força privada concentradora, de renda e de poder. Os canhões de Brasília estão mirando as florestas, as fontes de água e as terras cultiváveis. São patrimônios comuns por definição. O ataque deliberado é pura espoliação.

Mapa de usinas hidrelétricas na Amazônia – Foco UHE São Manoel


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