Como um índio que protestava por acesso à saúde acabou preso em Santarém?
Thiago Medaglia
Para defensora pública, prisão efetuada na semana passada está repleta de irregularidades
Texto e foto de Thiago Medaglia
Em março de 2015, uma família de indígenas da etnia Kumaruara saiu da aldeia Alto Solimões, região do Tapajós, no Pará, com suspeita de hepatite. Ao final da longa e cansativa viagem de barco, desembarcaram em Santarém à procura de atendimento médico. Combalidas, as 7 crianças da família – todas elas posteriormente diagnosticadas com hepatite A – não tiveram acesso à ambulância para chegar ao Hospital Municipal de Santarém: dependeram, como não é incomum, do apoio de parentes indígenas residentes na área urbana. Após os primeiros procedimentos no hospital público, as crianças foram liberadas para seguir com o tratamento domiciliar, tendo previsão de retorno em uma semana. Doentes e longe de casa, foram encaminhadas para a Casa de Saúde Indígena (Casai), entidade ligada à Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai), órgão do Ministério da Saúde. Mas lá não encontraram apoio algum.
A razão, bem conhecida dos brasileiros, é digna de enlouquecer o mais zen dos pajés: eles não constam no sistema. As únicas etnias que, com terras demarcadas, são atendidas na unidade da Casai de Santarém então procurada são os povos Zo’É e WaiWai.
Naquele março de 2015, as crianças Kumaruara acabaram submetidas a uma epopeia que envolveu a busca por carona em deslocamentos, o abrigo na casa de conhecidos e uma campanha de arrecadação de dinheiro feita pelos alunos indígenas da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) para a compra de medicamentos. “E essa é apenas um história… Na verdade, o surto de hepatite no ano passado atingiu crianças de outras três ou quatro aldeias da região do Tapajós”, explica Luana Kumaruara, moradora de Santarém que acompanhou o caso de perto.