Como diminuir o terrível impacto dos fertilizantes sobre rios da Amazônia?
InfoAmazonia
Por Vandré Fonseca
Tanto o solo quanto a mata ciliar são capazes de filtrar o excesso de fertilizantes usados na agricultura e impedir que eles cheguem aos rios, causando graves consequências ambientais. É o que aponta um estudo em desenvolvimento pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), em colaboração com instituições internacionais. Os estudos dos impactos da aplicação de nitrogênio e fósforo nas lavouras na Amazônia são realizados há dois anos e meio na fazenda Tanguro, em Querência (MT), onde o grupo Amaggi produz milho e soja.
Embora ainda não tenha sido concluída, a pesquisa levanta preocupações quanto ao uso de fertilizantes na agricultura – em especial na Amazônia. O despejo em excesso destes adubos sintéticos na água (em especial, fósforo e nitrogênio) pode causar um aumento incomum de algas, que é a chamada eutrofização. O excesso destas plantas na água bloqueia a passagem da luz, o que impede a fotossíntese de organismos que vivem mais ao fundo. Isto pode ser fatal: sem a fotossíntese, não existe oxigênio. E sem oxigênio, a vida é afetada. A morte desses organismos pode ter impacto também na cadeia alimentar, atingindo peixes e outros animais.
“Os córregos no Mato Grosso normalmente possuem uma concentração muito baixa [de fósforo e nitrogênio]. Quando colocamos mais [destes adubos], as algas podem crescer muito e causar a eutrofização”, afirma a ecóloga americana KathiJo Jankowski, do Laboratório de Biologia Marinha da Universidade de Chicago e que faz parte da equipe de pesquisa. Os estudos têm demonstrado que o solo está retendo esses nutrientes, mas não se sabe qual a capacidade de ele suportar um aumento na concentração destas substâncias.
Existem ainda outros riscos: KathiJo lembra que, devido ao desmatamento, o volume de água dos rios na região estudada chega a aumentar quatro vezes no período das chuvas. Sem vegetação que absorva a água do céu, aumenta também a possibilidade de as correntes de água carregarem os fertilizantes para outras áreas.
A saúde das matas ciliares também preocupa. Elas podem sofrer alterações devido ao aumento da disponibilidade de nutrientes. “Tem a possibilidade de mudar a comunidade de espécies de plantas que moram nas matas ciliares”, afirma KathiJo.
Consequências
Manejar a paisagem de forma mais sustentável pode significar, no futuro, uma grande economia na restauração de rios, de acordo com KathiJo.
A especialista cita o Golfo do México, onde nutrientes despejados ao longo da Bacia do Rio Mississipi chegam ao mar e formam, todos os anos, a segunda maior área de baixos níveis de oxigênio (hipóxica) do mundo. São quase 15 mil quilômetros quadrados de oceano praticamente morto. KathiJo participou de um estudo realizado em 2014, quando pesquisadores calcularam o valor necessário para reduzir para 5 mil quilômetros quadrados a área com baixo oxigênio, que era uma meta do governo americano. O custo seria de US$ 2,7 bilhões anuais, ao longo de 5 anos.
Entenda a zona morta do Golfo do México neste vídeo da Administração Oceânica e Atmosférica dos EUA
A exigência de manutenção de Áreas de Preservação Permanente (APPs) no Brasil para proteger as matas que margeiam corpos d’água, encostas e topos de morro são, para a pesquisadora, uma vantagem em relação a outros países para evitar justamente o que acontece com o Golfo do México.
Os pesquisadores lembram ainda que a mata ciliar reduz outros danos provocados pela atividade agrícola, como assoreamento dos rios, e protegem ambientes aquáticos. Além de sombrear, ajudando a regular a temperatura da água, as árvores deixam cair folhas, insetos e galhos, que formam micro-habitats importantes para a vida aquática. E esta vegetação é ainda refúgio para animais expulsos da floresta transformada em lavoura.
A fazenda
A Fazenda Tanguro ocupa uma área aproximada de 83 mil hectares, onde parte da floresta foi substituída há quase vinte anos por pastagens. Hoje, produz grãos. Por lá ainda existem cerca de 50 mil hectares de florestas, que abrigam uma fauna diversificada. A pesquisadora KathiJo afirma já ter visto onças, pintadas e vermelhas, e porcos-do-mato por lá. A fazenda é cortada por diversos rios, que sofreram diferentes níveis de impacto provocado pela mudança na paisagem.
Confira o desmatamento na região da Fazenda Tanguro
“A fazenda tem muitas microbacias. Algumas estão dentro de área de cultivo e outras dentro de área de floresta”, conta o biólogo Divino Silvério, que trabalha no escritório do IPAM em Canarana (MT), perto da fazenda. “Eles cultivam soja e milho. Então dá para selecionar”. A localização também é favorável para quem estuda o meio ambiente na Amazônia.
Silvério explica que a Tanguro está em uma área de floresta com porte menor do que nas áreas mais centrais da Bacia Amazônica. Segundo o biólogo, modelos climáticos indicam que estas matas vão sofrer mais com o aquecimento global do que o restante da floresta. Há outro ponto importante para os estudos: é uma região que está dentro do Arco do Desmatamento. A área, assim, sofre uma grande pressão das atividades humanas.
Nas APPs da fazenda, são realizados experimentos pelo IPAM com fogo, por exemplo, para saber o efeito das queimadas sobre a floresta ao longo do tempo. Há estudos que avaliam os efeitos do desmatamento sobre os remanescentes da floresta. Foram instaladas também torres para estudos sobre o fluxo de gases, que pretendem descobrir, dentre outras coisas, se a floresta está absorvendo ou emitindo carbono e comparar os dados com informações obtidas em áreas de lavoura.
Um dos co-autores do estudo, o ecólogo Christopher Neill, do Woods Hole Research Center (WHRC), destaca que a agropecuária deve melhorar a produtividade, mas se preocupar também em reduzir os impactos negativos da atividade. Para ele, o estudo serve para identificar um ponto de equilíbrio.
Efeito estufa
Os pesquisadores lembram, ainda, outro motivo para buscar mais eficiência no uso de fertilizantes: a adição de nutrientes em lavouras como fósforo e nitrogênio está associada à emissão de gases de efeito estufa. Dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) indicam que, em 2015, estes adubos foram responsáveis pelo despejo de 13,7 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera.